Não me comam

não confio em carnívoros
eles comem carne
e chupam osso

e eu
sou feito disso
carne
osso
e uma alma quase vegetal

seres que mamam

seres incompletos
se juntando
seres inconcretos
concretizando
o que chamam
de amor
que não chega
nem perto
do verdadeiro amar
alguém

Haikai #10

tarde ensolarada
no fio de energia elétrica
uma pomba medita

Tempo

pressa é bobagem
diante da eternidade
que nos espera

Meditando

respirando fundo
sem pensar atingiu
o mais profundo

o mundo e ele

o mundo tentou muda-lo
amordaça-lo
padroniza-lo

e ele nada

o mundo tentou compra-lo
convence-lo
transforma-lo

e ele nada
e ele

se mudou
se amordaçou
se padronizou
se comprou
se convenceu
e
enfim
se transformou

sozinho

eu(s)

Sou um amontoado de incertezas. Uma soma ilógica de várias incertezas que se espalham dentro de mim. Sou constituído delas, construído por elas. São como retalhos que, juntos, fazem eu ser quem acho que sou. A comparação com Frankstein é óbvia; também sou todo remendado, de várias pequenas e grandes incertezas. E por ser tão monstruoso, não me importo em ser o que sou; já sou odiado por isso mesmo. Mas a isso prefiro do que aceitar a censura velada da padronização.

Haikai #221

papel em branco
vira água, barco, flautista
com a caneta azul

Vim ser

vencer
é um ponto de vista

nem sempre viver
é vitória

as guerras são tolas
os vencedores
perdem
os heróis
morrem
os tolos
vivem
traumatizados
eternamente derrotados

"venci, mesmo que mutilado!"
perdeu, adeus

Sobre escrever poemas

começar um poema
sem fim
é dar chance ao acaso
de se manifestar
na mente
e mostrar
o quão perturbada
ela é

começar um poema
do fim
é fingir
ser poeta
por saber encaixar
algumas palavras
nos lugares
certos